As políticas urbanas para áreas centrais voltam a ocupar lugar de destaque na agenda do governo federal e municípios, com especial interesse em ampliar a oferta de habitação no centro das cidades. Nesse contexto, inúmeros incentivos fiscais e edilícios são adotados para fomentar a produção de habitação central, sendo estratégica a destinação de imóveis públicos para esse e outros fins ligados à reabilitação de áreas centrais. O Encontro Nacional de Moradia em Áreas Centrais, realizado em Recife, entre os dias 05 e 06 de junho, e organizado pelo Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), discutiu essa retomada da política habitacional para áreas centrais olhando para os diversos arranjos que vêm sendo adotados, bem como para os desafios e possibilidades construtivos, legais, patrimoniais e condominiais associados. Discussões com representantes do poder público, pesquisadores e movimentos sociais foram balizadas por questões ligadas à afirmação do direito à cidade e à moradia, com ampliação de acesso e promoção equitativa de direitos fundamentais, bem como priorização de grupos em maior situação de vulnerabilidade.
A pesquisadora do LabHab, Julia Azevedo Moretti participou do evento, com uma apresentação intitulada “Morar ou Investir – Reabilitação reduzida ao retrofit e o ‘nó da terra’”. Moretti refletiu sobre o contexto das cidades e seus centros, enfatizando a necessidade de se construir um regramento jurídico sobre as preexistências (manutenção da cidade construída) e discutindo diferentes conceitos e abordagens para a intervenção em áreas centrais. Além disso, apresentou o programa Requalifica Centro e os desafios de acesso à moradia central e permanência da população mais vulnerável no centro, enfatizando a importância do patrimônio público para enfrentar o “nó da terra” e alavancar ações inclusivas. A pesquisadora destacou que o Requalifica Centro foi concebido para estimular o retrofit, com os objetivos de ampliar a oferta de habitação (uso residencial) e captar investimentos, mas que tem sido insuficiente (quiçá inadequado) para o atendimento da demanda de moradia para a população mais vulnerável, além de incapaz de viabilizar as iniciativas de coprodução que têm um propósito transformador de processos urbanos excludentes e que reforçam a importância de processos coletivos. O estudo, que faz parte do pós-doutorado realizado sob supervisão de João Sette Whitaker Ferreira e com apoio da FAPESP, mapeia os empreendimentos aprovados (licenciados) como retrofit que vão, por ora, convivendo com as ocupações (mapa abaixo), mas é possível ver que as ações de combate à ociosidade e ativação de uso habitacional se expressam fisicamente de formas muito diferentes e mobilizam atores também muito distintos.
O primeiro dia de debates contou com uma mesa de abertura sobre experiências passadas e perspectivas para a Nova Política Habitacional em Áreas Centrais. Essa mesa mostrou que moradia em áreas centrais é uma questão diversa: não se reduz a centros edificados, envolve comunidades ribeirinhas e tradicionais, combina regularização fundiária, reabilitação de edificações, resistência a processos de expulsão, construção de identidades. Refletir sobre as experiências passadas, desafios e oportunidades que se projetam no presente e para o futuro é um caminho importante para avançar na implementação de cidades mais justas e sustentáveis, de forma alinhada com pauta de justiça socioambiental (e climática). Uma segunda mesa discutiu desafios para uma modelagem jurídico-econômica e fundiária da moradia em áreas centrais. A mesa trouxe exemplos atuais de políticas públicas do governo federal e de municípios voltadas para moradia em áreas centrais: no MCMV há incentivos para empreendimentos que trabalhem com requalificação, disponibilização de imóveis da União, bem como discussão de alternativas para quem não possui acesso a crédito – parque público de habitação combinada com locação social, inclusive por meio de PPP em articulação com municípios. Foram debatidas algumas alternativas de financiamento público e privado, detalhadas algumas modelagens, apresentadas iniciativas de apoio à contratação de gestão condominial, destacada a importância de estudos para enfrentar especificidades das intervenções no edificado (custos, garantias), e também foram problematizadas questões de acesso e participação social, ressaltando-se a importância dos modelos de cogestão e autoprodução, e necessidade de questionar os resultados alcançados no sentido de construção (ou não) de processos sócio-espaciais inclusivos.
Já o segundo dia de debates foi aberto com uma mesa sobre novos arranjos para a destinação social do patrimônio público. Retomou-se a importância do cumprimento da função socioambiental do patrimônio público, debatendo-se experiências de destinação de imóveis da União e de municípios para habitação social e o papel dos movimentos sociais na luta pelo acesso à terra e na construção de alternativas de moradia inclusivas e participativas, especialmente em áreas de domínio público – sem deixar de notar o processo de luta e resistência contra expulsão mesmo nesses espaços. Dando continuidade aos trabalhos, a quarta mesa tratou de aspectos construtivos, legais e patrimoniais no retrofit em áreas centrais, enfrentou alguns aspectos técnicos e operacionais envolvendo a aprovação e execução de projetos de reabilitação, inclusive em áreas tombadas. Projetos de intervenção elaborados por assessorias técnicas têm importante impacto na defesa judicial e luta pela permanência: projetos participativos identificam caminhos de adaptação possível, avançam amparados em políticas públicas adequadas (inclusive ATHIS nas áreas tombadas), mas também sofrem alterações (e novas disputas) no processo de negociações com a administração pública e agentes financeiros. Os debates da mesa mostram que, no tocante ao financiamento, a diversificação nas linhas de atendimento, a revisão da regulação e de critérios de seleção ainda não permitiram dar maior escala ao atendimento de moradia em áreas centrais (experiências ainda estão concentradas em poucas cidades, baseadas em regime de autogestão e com poucas unidades), mas há boas experiências de pequenos empréstimos com alguma flexibilidade para recuperação de imóveis privados tombados. Para encerrar os trabalhos, uma última mesa discutiu o pós-obra e a gestão de empreendimentos. Foram apresentadas experiências de autogestão com participação de movimentos que valorizam a organização social para enfrentar questões, como a sustentabilidade do projeto e permanência das famílias (custos do morar). A mesa também discutiu iniciativas inovadoras e de baixo custo, formuladas e implementadas por organizações da sociedade civil, que trabalham o acesso via locação social e o atendimento da população em situação de rua (morar primeiro), valendo-se de instrumentos de gestão compartilhada. Também foram apresentados desafios de gestão condominial em empreendimentos produzidos pelo poder público e debatidas as estratégias para seu enfrentamento.
Mais informações sobre a programação completa estão disponíveis no site do IBDU (CLIQUE AQUI).
Os registros das mesas estão disponíveis no canal do IBDU no Youtube, confira:
- Mesa 1
- Mesa 2
- Mesa 3
- Mesa 4
- Mesa 5
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